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Direitos Humanos: o estado da nação, violência e corrupção

Patricia Akester • dez. 05, 2021

A propósito do Dia Internacional dos Direitos Humanos, que está para breve, partilho artigo hoje publicado no Diário de Notícias​, página 14, intitulado «Direitos Humanos: o estado da nação, violência e corrupção».


Dia 10 de Dezembro é um dia em que predomina em mim um sentimento de profunda ambivalência. Celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos bem como a adopção pela Organização das Nações Unidas (ONU) da Declaração Universal (DUDH) que reconhece esses direitos como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo – o que merece festejo.

Sucede que um pouco antes da comemoração lanço mão dos mais recentes relatórios internacionais sobre o cumprimento desses direitos pelo mundo fora. Chegada a esse ponto o meu entusiasmo tende a diminuir a velocidade galopante. Deparo-me com o usual rol de perseguições, tortura, desalojamentos forçados, detenções arbitrárias, execuções extrajudiciais e assassinatos em massa, entre muitas outras barbaridades, em países como a Síria, a China, o Irão, a Coreia do Norte e a República Democrática do Congo. E o meu estado de espírito não melhora significativamente quando examino os dados respeitantes a Portugal, que abarcaram nos últimos tempos a inenarrável morte de Ihor Homeniuk, impensáveis processos de corrupção na esfera pública, indefensáveis casos de mutilação genital feminina e uma indesculpável dose de continuada violência contra as mulheres. Senão vejamos.

Ihor Homeniuk

Em Março de 2020 Ihor Homeniuk faleceu no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, com o envolvimento de 3 inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Os horrendos factos são de conhecimento geral, bem como a consequente condenação, em Maio de 2021, dos 3 arguidos a 9 e 7 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pela morte da vítima.

Corrupção na esfera pública

Em 2020 Portugal ocupou o 30.º lugar numa lista que reflecte o grau de corrupção em 180 países (Transparency International), tendo ficado atrás da maior parte dos países da Europa Ocidental. Não é surpreendente atento o facto de que os últimos tempos foram marcados por sinais de corrupção, que incidiram indiscriminadamente sobre a saúde, a segurança social, os serviços secretos, as messes militares, material de guerra, autarquias, escolas de condução, clubes de futebol, impostos, banca e a justiça.

Na esfera pública é difícil não lembrar, a título de exemplo, a operação Zeus, que desvendou um esquema de sobrefacturação nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas e que levou â condenação de 23 militares e 14 empresários; o processo Lex que averiguou a selecção viciada de juízes e promessas de sentenças clementes e que importou a dedução de acusação contra 17 arguidos, incluindo um antigo juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e o ex-presidente do Benfica; e o caso Tancos que investigou o furto de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos e sua encenada recuperação e onde a acusação contemplou 23 arguidos, entre os quais, um ex-ministro da Defesa, o ex-director e o ex-porta voz da Polícia Judiciária Militar e elementos da GNR de Loulé.

No que toca a alguns dos processos o desenlace é desconhecido, mas uma coisa é certa, a corrupção exige severas medidas de punição pois lesa a economia, cria uma sensação de impunidade, pode contaminar cidadãos honestos e gera ausência de confiança nas instituições. As manifestações de desonestidade, de fraude e de ilicitude são sempre trágicas. Num Estado de Direito são inexplicáveis, sobretudo quando ocorrem aos mais altos níveis, mormente quando executadas por quem deve vigiar e fiscalizar. A questão é, como bem diz o poeta romano Juvenal: Quem vigia os vigilantes? Quem fiscaliza os fiscalizadores?

Mutilação genital feminina

Passando da corrupção para a mutilação genital feminina, segundo a Secretaria de Estado da Cidadania e Igualdade trata-se de um rito ainda executado por membros de algumas comunidades de imigrantes. Assinale-se aqui o primeiro julgamento atinente a essa matéria no território nacional. Em Julho de 2020, o Ministério Público deduziu acusação contra Rugui Djaló, cidadã guineense residente em Portugal, que havia submetido a sua filha com 1 ano de idade a tal prática. O Tribunal de Sintra condenou a mãe a uma pena de 3 anos de prisão efectiva pelo crime de mutilação genital da sua filha menor, tendo notado tratar-se de "uma flagrante violação de direitos humanos" da qual a mãe não havia mostrado qualquer arrependimento.

Violência contra as mulheres

Por último, Portugal continua a registar elevados níveis de violência doméstica e não doméstica contra mulheres. Com efeito, o Conselho da Europa constatou que em 2020 (e os números relativos a 2021, ano repleto de períodos de confinamento, serão piores) morreram 26 mulheres em contexto de violência doméstica, em 2019 foi deduzida acusação em apenas cerca de 16% dos casos em que foram abertas investigações, não tendo havido lugar a acções posteriores em cerca de 60% dos casos e no mesmo ano as penas de prisão aplicadas foram suspensas em 90% dos casos. Estes e outros factores darão inevitavelmente uma sensação de impunidade aos agressores.  

Segundo o US Department of State persistem em Portugal estereótipos de género contra as mulheres incluindo nalguns sectores do poder judicial. Explica, a mesma entidade norte-americana, que foi esse o entendimento do Tribunal de Estrasburgo quando em 2017 condenou o Estado Português, no processo Carvalho Pinto de Sousa Morais versus Portugal, por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Nesse processo, um tribunal de primeira instância atribuiu a uma vítima de negligência médica uma indemnização no valor de 172 mil euros, tendo o Supremo Tribunal Administrativo subsequentemente reduzido substancialmente esse valor, invocando, para fundamentar essa decisão, a “vida sexual limitada” que a vítima teria “devido à sua idade” e o facto de que “atenta as idades dos seus filhos, a mesma apenas teria de cuidar do seu marido”.

Conclusões

Em suma, mesmo em Portugal que se pauta supostamente pelo reverência e implementação dos princípios consagrados na DUDH e no normativo que deriva de outras Convenções a que o Estado português se encontra vinculado, os direitos humanos são alvo de inquietantes incumprimentos. Tornou-se claro, há muito, que os mecanismos legislativos são por si só insuficientes para gerar a mudança de mentalidades e de comportamentos necessária para impedir violações sistémicas desses direitos.

O seu reconhecimento e observância universal e efectiva dependem da criação de um ecossistema pelo Estado que promova e garanta o seu cumprimento. A tutela dos direitos humanos é tarefa que em Portugal se encontra manifestamente inacabada e que requer imediata atenção. Trata-se de um imperativo pelo qual vale a pena lutar e que deve ser bem dissecado e objecto de propostas concretas por quem pretende governar o país!


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