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E depois do adeus à pandemia? Inteligência Artificial, teletrabalho e videoconferências

Patricia Akester • jun. 07, 2021
Partilho a minha coluna mensal no Dinheiro Vivo. Título de Junho: "E depois do adeus à pandemia? Inteligência Artificial, teletrabalho e videoconferências"

Sabemos que um dia, talvez em breve, o mundo voltará ao que tínhamos como normal sob múltiplos aspectos. Sabemos, também, que muitas ideias, pensamentos, noções e conceitos perdurarão nos moldes actuais, fruto de um vírus que varreu, destituiu, destruiu e matou de forma impiedosa e despoletou drásticas transformações. Tendo as mutações ocorrido em diversos campos, determinaremos aqui, apenas, a verdade do que veio para ficar no meio laboral, realçando o incontornável processo de adaptação daí decorrente. 

Inteligência Artificial
Já aconteceu antes e acontecerá de novo. O desastre económico impulsionará, a título de instrumento organizacional de contenção de custos, um aumento das tarefas executadas por sistemas de Inteligência Artificial (IA) com consequente diminuição de postos de trabalho, (Brookings Institution’s Metropolitan Policy Program). A Quarta Revolução Industrial, a que hoje assistimos, engloba, entre outras coisas sistemas de IA, que optimizam processos produtivos. Exemplos de IA em tecnologias emergentes, que se configuravam como ficção científica há menos de uma década, são hoje parte do quotidiano de alguns; não mito e sim realidade. A questão crucial é até que ponto tal tecnologia substituirá o labor humano em quadro pós-pandémico. Em plena pandemia, sobretudo em função de medidas de contenção de contágio, como o distanciamento social, os autómatos começaram, por exemplo a fazer parte do dia a dia para fins de limpeza e de desinfecção de superfícies em hospitais, escolas e supermercados, a ser utilizados em armazéns para fins de embalagem, distribuição e envio e a ser objecto de testagem na prestação de serviços de restauração (BBC News). 
No entanto, em áreas como a da inovação, embora os sistemas de IA prestem auxílio, requerem por enquanto, um ser humano por trás do design dos algoritmos, da selecção de dados e da análise dos resultados de tais algoritmos, isto é, os sistemas de IA são correntemente utilizados para facilitar o processo de inovação, estando ainda longe de dispensar a intervenção humana. Ou seja, a aliança entre o desenvolvimento galopante da IA e o desastre económico sofrido conduzirá a um aumento das tarefas executadas por sistemas de IA com inevitável diminuição de postos de trabalho em certas áreas profissionais e não noutras (o grau de risco pode ser aferido em https://willrobotstakemyjob.com/, criado que foi com base em investigação feita pela Universidade de Oxford). 

Teletrabalho
Não é novidade que finda a pandemia um modelo de trabalho híbrido tenderá a prevalecer, aliando uns dias de teletrabalho a outros de trabalho presencial e sendo que apenas 15% a 16% da força laboral ficará exclusivamente em teletrabalho (Emergent Research). É inegável que o teletrabalho traz poupanças tanto para a entidade patronal como para o trabalhador: por exemplo, para a entidade patronal no atinente a despesas que vão da conta da electricidade à da renda (desde que esta opte por um espaço menor) e para o trabalhador no que toca a custos que vão do transporte à alimentação. Acresce que, pós-pandemia, certos factores que complexificaram deveras o teletrabalho, como o encerramento dos estabelecimentos escolares, deixarão de subsistir, tornando o teletrabalho mais desejável. Nessas circunstâncias, a determinação da competência do trabalhador não pode resultar de atitude e assiduidade, ostentadas em pleno escritório, tendo de ter em conta, sim, de forma objectiva, o seu output. Mais, muitos trabalhadores, em virtude do modelo de trabalho híbrido mencionado, optarão por não residir na metrópole, podendo potencialmente adquirir habitações de maior porte em locais menos poluídos (Microsoft e Owl Labs). Note-se que o escritório físico não irá desaparecer. Verá, porém, o seu espaço físico reduzido, terá mais hot desks que secretárias destinadas a um trabalhador em particular, será utilizado, sobretudo, para tarefas de grupo, prevendo-se que cerca de 80% da superfície seja utilizada para fins colaborativos e apenas cerca de 20% para uso individual (Global Workplace Analytics).

Videoconferências
Falta referir as videoconferências. Na sequência das medidas de distanciamento social, as reuniões virtuais através de plataformas como Zoom (que até o termo zooming geraram), Google Hangouts, Skype e FaceTime, dispararam, tendo-se tornando omnipresentes e revelado que as interacções virtuais são surpreendentemente cansativas (National Geographic). Surgiu um novo fenómeno, prevalente e intenso, caracterizado por fadiga, preocupação ou esgotamento, associados ao uso excessivo dessas plataformas (Psychiatric Times), adveniente de (i) excesso de contacto visual com terceiros ao perto (via ecrã), (ii) constante visualização do próprio, (iii) redução da mobilidade e (iv) elevada carga cognitiva resultante desse meio de comunicação (Stanford News). No decurso de uma videoconferência, o cérebro é sobrecarregado por excesso de estímulos não usuais, como hostes de caras e backgrounds variados, concentrando-se, em vão, na busca de pistas não verbais ausentes, nomeadamente a tão importante linguagem corporal (National Geographic). De forma não imprevista, as reuniões virtuais cruciais que são para viabilização do teletrabalho não serão alvo de extinção, requerendo, contudo, dado o acima exposto, reconfiguração – lembremos que até Eric Yuan, CEO da Zoom, se queixou recentemente de fadiga causada pelo constante uso da sua plataforma de videoconferência de eleição (The Wall Stree Journal). Até que a tecnologia resolva esta questão (“the answer to the machine is in the machine” como bem dizia Charles Clark), outras respostas surgirão, como por exemplo, a da Citigroup Inc., a maior empresa global de prestação de serviços financeiros (Forbes), que criou aquilo a que denominou de “Zoom Free Fridays” (BBC News). 

Conclusões
Inúmeras transmutações chegaram para ficar, sobretudo para aqueles cujo trabalho apenas requer um PC e uma célere ligação à internet. Para muitos, a mudança assentará, entre outras coisas, na oscilação entre teletrabalho e trabalho presencial, pelo uso de hot desks em espaços de trabalho mais reduzidos, por maior recurso à Inteligência Artificial para agilização de processos, pela forma como vêem apurado o seu grau de competência e de produtividade e pelo abandono das grandes cidades. 
Em primeira e última instância, a pandemia ordenou e continua a impor adaptação, produto de um enquadramento viral impiedoso e imprevisível. Todavia, parafraseando o poeta, a vida é mesmo assim: deserto e oásis, que nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas da nossa própria história e ainda que o vento sopre contra nós, não nos devemos resignar nem fugir, desfrutando, sim, com coragem, o pânico [pânico bom porque é sinal de que não sucumbimos à pandemia] que provoca ter a vida toda pela frente (Walt Whitman). Quando os ventos de mudança sopram, há quem erga barreiras e quem construa moinhos de vento (Erico Veríssimo). Herda o futuro quem se ajusta ao novo, permanecendo em estado estanque e cristalizado quem não prescinde de contornos que já não são.

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