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O segredo de Merkel em 5 lições bélicas

Patricia Akester • out. 04, 2021
Partilho a minha coluna mensal no Dinheiro Vivo. Título de Outubro: «O segredo de Merkel em 5 lições bélicas».

É difícil não voltar a falar em Angela Merkel por estes dias. 26 de Setembro marcou a eleição do novo Chanceler na Alemanha e a sua consequente saída de cena e a 3 de Outubro celebra-se o aniversário da reunificação alemã que permitiu a sua entrada na arena política. Foi após a referida reunificação que Merkel transitou de um percurso científico que tinha em andamento num laboratório sito na Alemanha de Leste para uma jornada política sem precedente. Foi sucessivamente eleita para o Parlamento da RFA, nomeada Ministra do Meio Ambiente, eleita Secretária-Geral da União Democrata-Cristã (CDU), assumiu a liderança desse partido (CDU), foi eleita como Chanceler, converteu-se na líder do G7 e foi descrita como a mulher mais poderosa do mundo (Forbes) e a chanceler e líder do mundo livre (respectivamente pela Time e pelo Independent). 

Como conquistou Merkel tal status políticos e como o conseguiu manter durante mais de década e meia? O trajecto desta pioneira alemã, que enfrentou estereótipos, derrubou barreiras e abriu caminhos, vai ficar para a história e está repleto de lições que replicam velhos ensinamentos de Sun Tzu, autor do célebre tratado militar. Vejamos aqui cinco lições cruciais.

1. “As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas” (Sun Tzu, A Arte da Guerra) ainda que de forma implacável …
Audácia, arrojo, destemor e irreverência mostrou Merkel quando o seu partido, foi alvo de um escândalo financeiro que implicava estranhas doações, contas bancárias secretas e o nome de membros do CDU, entre os quais o de Helmut Kohl, seu mentor e protector. Ao contrário de outros acólitos de Kohl, Merkel viu uma porta aberta e precipitou-se por ela (como instrui Sun Tzu na mesma obra). Rápida como um trovão e veloz como o relâmpago (como também ensina o estratega oriental) Merkel publicou um artigo de opinião no Frankfurter Allgemeine Zeitung no qual declarou, sem hesitação, que o partido devia encetar novo caminho, com transparência, e assim dar início a uma nova etapa, uma era sem Kohl. Pouco tempo depois foi eleita como líder dos democratas cristãos.

2. “É mais importante ser mais inteligente do que o inimigo do que mais poderoso” (Sun Tzu, A Arte da Guerra)
Doutorada em química quântica, ex-investigadora, formiguinha por natureza, Merkel sempre teve por hábito estudar arduamente, avaliar com precisão e rigor, pesar prós e contras, comprovar conclusões por meio de provas, elaborar soluções graduais e defendê-las de forma inabalável. Estudada a lição, apenas a título de exemplo e como amplamente divulgado na imprensa, não seguiu o conselho do Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, impedindo o colapso do euro, combateu Trump no atinente ao comércio e ao clima, Putin a respeito da anexação da Crimeia e de sanções económicas e Erdoğan relativamente a direitos do homem e a migração. Com assentimento e aprovação de uns e rejeição e desprezo de outros, Merkel revelou, neste processo, inteligência, diligência e determinação tendo conseguido, com frequência, levar as negociações além dos limites aparentemente possíveis.

3. “A glória suprema consiste em quebrar resistência sem lutar” (Sun Tzu, A Arte da Guerra)
Para tal, conforme sublinhado por Christine Lagarde, Merkel buscou cooperação em vez de confronto (IMF News). A nível regional, moldou a dinâmica europeia com pragmatismo e paciência, mediando exigências e interesses opostos de modo a obter compromissos viáveis. Passou por intermináveis debates institucionais que conduziram ao Tratado de Lisboa de 2007, enfrentou a crise financeira mundial de 2008, a tensão migratória europeia de 2015, o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE) em 2016 e deparou-se, ainda, com a pandemia COVID-19 no quadro da qual passou de intransigente chanceler da severidade a magnânima chanceler da bazuca. No quadro mundial, aspirou, entre outras coisas, a uma solução pacífica para a crise na Coreia do Norte. Demonstrou, feitas as contas, habilidade para alcançar não a solução ideal e sim paulatinas soluções de compromisso. Passo a passo - com diplomacia, perseverança e firmeza - foi o seu mantra. 

4. “Humanidade e justiça são os princípios para se governar a paz” (Sun Tzu, A Arte da Guerra)
Humanidade Merkel exibiu-a, contra tudo e todos, apesar de enorme resistência de seus rivais políticos, no respeitante aos refugiados. Consentiu que cerca de um milhão de refugiados encontrasse santuário na Alemanha, dando lugar a um desafio de nome integração. Merkel lembrou aos alemães a ajuda internacional recebida após a segunda Guerra Mundial e exortou-os a darem as boas-vindas aos necessitados do século XXI, com justiça e equidade.

5. “A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se é chamada de genialidade” (Sun Tzu, A Arte da Guerra)
Seguindo esse princípio, Merkel recusou-se a encerrar as fronteiras alemãs aos migrantes, tendo anunciado em Setembro de 2015 que o direito basilar de asilo não se encontrava sujeito a limites máximos. Na sequência, porém, do atentado de Berlim de Dezembro de 2016, levado a cabo por um tunisino cujo pedido de asilo havia sido rejeitado, cuja organização foi revindicada pelo Estado Islâmico e que acarretou 56 feridos e 12 mortos, a popularidade de Merkel desceu drasticamente. Chegada a esse ponto e pronta que estava a recandidatar-se a um quarto mandato, a ex-cientista alterou rumo e orientação, adaptando a sua narrativa aos factos, dados e circunstâncias emergentes, com renovada assertividade. Prometeu agilizar decisões de asilo para conduzir ao rápido retorno daqueles que a ele não tinham direito e enfatizou que os migrantes que permanecessem no país não poderiam criar uma sociedade paralela, tendo de proceder a integração total: a nossa lei, proclamou, tem precedência sobre “regras tribais, códigos de honra e sharia” (Euronews).

Conclusões
Tal como Margaret Thatcher, a Primeira-Ministra britânica que moldou o mundo na década 80, Merkel liderou-o durante os últimos 16 anos, não com o ar beligerante da dama de ferro e sim com armas de combate mais subtis que invocam os ensinamentos contidos no manual de Sun Tzu. Simultaneamente implacável e humana, Merkel denotou inteligência, diligência, determinação e capacidade de adaptação, criou pontes e funcionou qual porto de estabilidade numa Europa cada vez mais polarizada. Encarou de frente múltiplas crises (financeira global, zona euro, migração, Brexit, Trump e até a pandemia), negociando pacientemente até que uma solução viável fosse encontrada para as partes. Significativa é a forma como no seu livro de memórias, Promised Land (Uma Terra Prometida), Barack Obama descreve Merkel. Sem deixar de a criticar, por exemplo, no que toca às medidas de austeridade impostas aos Estados Membros devedores na sequência da crise financeira de 2008, Obama realça certas qualidades, tais como, “capacidade de organização, sagacidade estratégica e paciência inabalável", "fiabilidade, honestidade, precisão intelectual e gentileza natural", concluindo tratar-se de “uma líder excepcional para a Europa e para o Mundo em geral”. A verdade é que a Alemanha e a UE terão de suprir a lacuna que a saída de Merkel inevitavelmente deixará e que nenhum outro líder da UE pode, pelo menos por ora, preencher. E quem tentar suprir esse vazio deverá entender as tácticas das suas conquistas e com sorte discernir a estratégia que gerou as suas vitórias. Fácil não vai ser porque bem diz o povo Mutti (Mãe), como tem sido designada, há só uma.

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