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Os 7 Pecados Mortais em Tempos de Pandemia

Patricia Akester • jan. 10, 2022

Partilho a minha coluna de Janeiro no Dinheiro Vivo, Diário de Notícias, intitulada «Os 7 Pecados Mortais em Tempos de Pandemia» que faz uma análise retrospectiva dos 7 pecados mortais em tempos de Covid-19.


Deparei-me recentemente com a réplica de uma gravura de Pieter Bruegel, o Velho, intitulada “Os Sete Pecados Mortais”. Executada no século XVI, a gravura invoca uma série de vícios, em versão revista e consolidada por São Tomás de Aquino no século XIII, que bem sentido faz nos tempos que correm. De facto, a par de comportamentos gentis, humanos e compassivos, temos assistido, em plena Covid-19, a condutas profanas de proporções bíblicas.

 

Orgulho

O pecado que levou à queda de Lucifer - o orgulho, a altivez e a presunção - tem sido alvo de várias manifestações, incluindo a pontificação no âmbito do debate relativo à Covid-19 por quem pouco ou nada sabe sobre a mesma - mas que não se abstém de gerar desinformação. Os conteúdos em questão, incorrectos, infundados, imprecisos e falsos, incluem teorias no que concerne a toda e qualquer faceta da pandemia (por exemplo, origem, causa, contágio, tratamento e vacinação), tendem a ser publicados em redes sociais e a irradiar-se quais vírus, tendo levado ao aumento do chamado Síndroma de Hesitação Vacinal – que se prende com um atraso na aceitação ou recusa de vacinas. O orgulho, considerado como fonte de todas as fraquezas por Santo Agostinho, também aumentou em sede de liderança. Perante o desafio pandémico líderes houve cuja arrogância levou à negação da existência do vírus (por exemplo, na Nicarágua e no Turquemenistão) e à promoção de tratamentos perigosos ou não atestados pela ciência (por exemplo, no Brasil e na Tanzânia) com consequências nefastas (New Freedom House).

 

Gula

A gula e a avidez surgiram assim que as regras de distanciamento foram anunciadas, incidindo sobre a aquisição e o consumo excessivo, desnecessário, egocêntrico e perdulário de produtos alimentares e outros (como, estarão lembrados, papel higiénico). Explica Peter Vries que a “gula é uma fuga emotiva, um sinal de que alguma coisa nos está a devorar”. Isto é, a avidez pode surgir à laia de mecanismo de compensação, decorrente de sentimentos como o medo e a ansiedade. Em termos práticos, em plena pandemia a gula de uns conduziu por vezes à escassez de certos produtos (alimentares ou outros) e a carência emergente reduziu a satisfação das necessidades legitimas de terceiros.

 

Ganância

A ganância e a cobiça têm pontuado muitos cidadãos, como dois irmãos do Tennessee, Matt e Noah Colvin, que adquiriram 17.700 frascos de álcool gel em princípios de Março de 2020 para revenda aos desesperados por um preço que chegou aos 70 USD por unidade (New York Times). Exemplo mais grave encontramos na desigualdade no acesso à vacina, prevista pelo deputado norte-americano Jan Schakowsky que proclamou, em 2020, que a noção de que as empresas farmacêuticas deviam ter liberdade para determinar preços durante uma pandemia “era “imoral e perigosa”. A verdade é que apesar da presença do mecanismo internacional de partilha de vacinas, COVAX, em África, por exemplo, a taxa de vacinação chegou apenas aos 10% (RTP Notícias). No contexto pandémico, o maior pecado é abandonar o próximo em nome da cobiça humana. Acresce que, como referiu o responsável pela Aliança Global das Vacinas (GAVI), “enquanto grandes porções da população mundial não forem vacinadas, as variantes continuarão a aparecer e a pandemia continuará a prolongar-se” (Público).

 

Preguiça

Nos antípodas do orgulho temos a preguiça. Em regra, o preguiçoso tende a queixar-se do destino e da fortuna para desculpar a preguiça (diz-nos o Marquês de Maricá) ou a decretar, perante a competência alheia, que “tudo aconteceu naturalmente” (Lao Tsé). A sorte alheia e o azar do próprio tendem a traduzir-se no “último refúgio de preguiça e da incompetência” (James Cash Penney). No contexto pandémico a preguiça tem tomado a forma de apatia, inércia, indolência, capitulação, submissão, rendição e até fantasia. Por exemplo, deu lugar à noção irrealista de que a Covid-19 é coisa de curta duração, findará rapidamente e tudo continuará como antes (Christianity Today).

 

Luxúria

A luxúria, pronunciada por Oscar Wilde, como um privilégio dos ricos, tem-se revelado online sob a forma de consumo alucinado de pornografia e de frequência de clubes de strip-tease virtuais, estimando os especialistas que os hábitos em questão decresçam substancialmente à medida que o vírus perece (The Conversation, New York Times).

 

Ira

Em termos de comportamentos destrutivos a ira, a cólera, a fúria e o rancor ocupam posição de destaque, pois podem ser fonte de delírio, perigo, infortúnio, desgraça, tragédia e crime. Em período de adversidade pandémica, que trouxe consigo sentimentos de incerteza, de impotência, de angústia e de raiva, verificou-se um aumento da violência doméstica (UN Women). Tal foi reconhecido em recente comunicado da Presidência da República que lamentou o impacto negativo da Covid-19 neste campo, realçando o "isolamento a quebra de contactos, a ausência de alternativas, que condenaram tantas vítimas ao sofrimento enclausurado e silencioso".

 

Inveja

A inveja monta, segundo Aristóteles, à consternação sentida quando se observa terceiros a alcançar virtudes e bens que o invejoso não conseguiu obter ou que obteve e perdeu (Retórica). Não sabia Aristóteles, contudo, que o advento das redes sociais levaria a inveja ao rubro – sobretudo em tempos de pandemia (University of Michigan). O uso de plataformas sociais criou um espaço onde a inveja floresce. Antigamente os triunfos alheios eram contos abstractos que existiam na névoa da imaginação. Hoje, os feeds fornecem provas visuais e inegáveis ​​de realidades que antes eram confortavelmente intangíveis, permitindo comparações constantes. É de conhecimento geral, claro está, que as imagens em causa podem ser filtradas e que a narrativa apresentada consubstancia o melhor, e não o pior, de cada qual. Todavia, a nível emocional a reacção emergente, em face da aparente alegria do outro, pode ser de apreço, afeição, bem-querer e estima ou aterrar nos antípodas, traduzindo-se, então, em amargura e ressentimento. Recordemos Iago (Otelo, William Shakespeare) a título de exemplo. Atenta a sua natureza, quão pior teria sido para Iago se seguisse o seu tenente, Cássio, no Facebook ou no Instagram? Ora também a inveja sofreu incremento com a pandemia, designadamente, em períodos de confinamento, no que toca ao local de residência de cada qual, quando dado a conhecer nas redes sociais (New York Times).

 

Conclusões

Como reconheceu Shakespeare “somos todos pecadores” – fruto de vontade e decisão, misto de luz e escuridão. Ideal seria a substituição dos vícios malignos pelas chamadas “Boas Virtudes” (criação do poeta Aurelius Clemens Prudentius). Opção mais realista reside, no entanto, em exercer autocontrolo e autodomínio, almejando à serenidade, ao equilíbrio e à moderação no meio da tempestade pandémica – sob pena de resultados que já provaram ser desastrosos. Mesmo quando o mundo parece desabar sobre nós, há que apelar à luz que todos temos, lembrando que “estamos todos no mesmo barco, é tempo de reajustar a vida e só o conseguiremos juntos.” (Oração do Santo Padre pela Humanidade, Março de 2021). Não é cliché e sim imperativo.


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