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Sistema eleitoral: deputados, cidadãos e ausência de laços

Patricia Akester • jan. 23, 2022

Partilho o meu mais recente artigo, hoje publicado no Diário de Notícias, página 9, sobre o sistema eleitoral que por cá reina: «Sistema eleitoral: deputados, cidadãos e ausência de laços».


Chegada a Portugal, volvidos 16 anos em Inglaterra, dei por mim, habituada que estava ao sistema britânico, a enviar emails para a Assembleia da República para melhor entender propostas atinentes ao Direito de Autor bem como cartas e petições (em alinhamento com vizinhos) no que toca à necessidade de construir uma rotunda em certo ponto da Avenida Marginal, Paço de Arcos, em que resido. Para minha grande consternação constatei que quando coloco questões e preocupações em sede de Direito de Autor a deputados que não conheço e que não me conhecem a resposta é nula. Quanto à rotunda (importante a tantos níveis, incluindo segurança rodoviária) foi obtido feedback da Câmara que imputa culpa nesta matéria às Infraestruturas de Portugal.

O que é certo é que se ainda vivesse em Inglaterra, onde existe um forte vínculo entre deputados e eleitores, o meu representante parlamentar me forneceria, sem hesitação, informação relativa a processos legislativos respeitantes ao  Direito de Autor (por cordialidade), teria tido reuniões com as Câmaras relevantes e com as Infraestruturas de Portugal, teria procurado entender a presença de um número infindável de rotundas na mesma Avenida Marginal, em Cascais e a inexplicável ausência da referida rotunda em Oeiras e já teria, acredito, resolvido o assunto (por obrigação).

Reino Unido

Isto porque o sistema eleitoral em vigor no Reino Unido conduz a um laço directo e estreito entre os eleitores e o deputado que os representa. O Reino Unido encontra-se dividido em 650 círculos eleitorais, cada qual representado por um deputado (designado Member of Parliament ou MP) na chamada Câmara dos Comuns, cabendo aos eleitores a selecção do seu representante através do sistema distrital first past the post. Consequentemente, cada MP tutela com elevado grau de dedicação o círculo eleitoral que o elegeu. Outros sistemas, como o português (já veremos porquê) não incentivam a conexão entre deputados e respectivo círculo eleitoral, fortalecendo, sim, o relacionamento entre os mesmos e o respectivo partido político.

Portugal

Com efeito, Portugal tem um sistema de voto em lista plurinominal (vários deputados) fechada e bloqueada. Cada partido apresenta uma lista de candidatos por círculo eleitoral, candidatos esses que são ordenados de acordo com a vontade do partido. O eleitor exerce o seu voto no que toca à lista apresentada pelo partido (sufrágio de lista). O número de eleitos é proporcional ao número de votos que o partido obtém (representação proporcional por círculos) e o preenchimento dos mandatos surge em função da ordenação contida na dita lista. Existe um monopólio partidário na apresentação e ordenação da lista.

Impacto

Logo, os candidatos sabem que a sua eleição depende não tanto da vontade popular quanto da direcção do partido, isto é, que a sua sobrevivência política depende em alto grau do partido e não da população. Como tal, agradar ao partido consiste em imperativo básico, darwinista, enquanto deleitar os membros do seu círculo eleitoral, não sendo despiciendo de interesse, traduz-se inevitavelmente em meta secundária.

Notemos que tanto no Reino Unido como em Portugal os deputados representam todo o país e não apenas os eleitores do seu círculo. Contudo, o sistema português, ao contrário do britânico, produz, em regra, um notório afastamento entre eleitores e eleitos, o que pode levar, entre outras coisas, a um decréscimo na qualidade de representação política e à presença de uma disciplina de voto subjugada ao partido independentemente dos interesses do círculo eleitoral e por conseguinte ao declínio da participação eleitoral.

Reforma eleitoral

Ou seja, Portugal tem, não se duvide, um sistema eleitoral democrático, o que é fundamental para livre expressão da vontade dos eleitores, requerendo, não obstante, uma reforma em moldes que podem ser mínimos, mas que impactarão o grau de democracia existente.

Crucialmente, uma reforma eleitoral que mantenha a proporcionalidade do sistema (distribuição dos assentos parlamentares proporcional ao número de votos obtidos por cada partido ou coligação) gerando apenas uma maior proximidade entre eleitores e eleitos não requer a revisão da Constituição. Basta implementar na sua plenitude o artigo 149 da Lei Fundamental que permite a introdução de círculos uninominais – à semelhança do sistema eleitoral do Reino Unido.

A título de exemplo, a proposta da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes) e da Associação por uma Democracia de Qualidade (APDQ) propõe precisamente a implementação do referido artigo 149 da CRP, na senda do sistema alemão.

Também a título de exemplo, o PSD recomendou, recentemente, uma alteração da estrutura de voto no sentido de estabelecer uma relação mais estreita e directa, no âmbito do círculo eleitoral, entre eleitores e deputados. Essa alteração não passaria, infelizmente, pela introdução de círculos uninominais - solução que me parece fundamental para assegurar a proximidade desejada - e sim pela adopção do voto preferencial, no âmbito do qual os partidos formariam e apresentariam as respectivas listas de candidatos, como até aqui, podendo, porém, os eleitores interferir na ordenação dos mesmos.

Conclusões

Como é sabido o actual sistema eleitoral tem na sua origem a criação da Assembleia Constituinte (em 1975) e a vontade de garantir a pluralidade de representação no processo de criação e de aprovação de uma nova Constituição em nome do bom funcionamento da democracia. Passado quase meio século, urge estimular maior proximidade entre eleitos e eleitores em nome do mesmo objectivo (melhor funcionamento da democracia). Os deputados preocupar-se-ão mais com os eleitores e estes serão mais bem representados, podendo assim aumentar a sua crença e a sua participação no processo eleitoral. Essa reforma é indispensável e não requer revisão constitucional. 

 

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