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Sobre a visão transumanista de Elon Musk

Patricia Akester • fev. 06, 2024

«Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade» (Albert Einstein)


A minha coluna de Fevereiro no Dinheiro Vivo: «Sobre a visão transumanista de Elon Musk»

 

A Neuralink, um dos muitos projectos do imparável Elon Musk, fornece esperança a quem padece de condições neurológicas graves, através da investigação e desenvolvimento de implantes cerebrais (interfaces entre o cérebro humano e a máquina ou ICMS). Foi nesse sentido que foi revelado há uns dias que a Neuralink tinha colocado um implante, denominado «Telepathy», num ser humano, implante esse que interpreta actividade neural, permitindo o controlo de dispositivos externos (como smartphones ou computadores) por meio de sinais cerebrais (Scientific American). Tal abordagem, em paralelo com técnicas de estimulação da medula espinhal, visa restaurar funções motoras.

O desígnio de Elon Musk não se circunscreve, contudo, à vertente terapêutica das ICMs, almejando, sobretudo, ao aprimoramento cognitivo do ser humano no âmbito de uma visão que evoca noções distópicas que habitam, usualmente, o reino da ficção científica.

Com efeito, o sonho de Musk passa, nas suas palavras, pela criação de um «dispositivo para a população em geral», que conecte diretamente a mente humana a supercomputadores, no âmbito de um cenário em que a Neuralink surge como um «backup para o ser não físico, para a alma digital» (MIT Technology Review).

A meta transumanista de Elon Musk intriga e inquieta. O aprimoramento humano não incide no tratamento da patologia, não se propõe restabelecer a saúde e sim intervir no corpo de um ser humano saudável, aperfeiçoando-o, «deixando-o melhor que antes» (N. Bosttrom, Uma história del pensamento transhumanista).

Neste enquadramento conceptual, o ser humano é encarado como obsoleto no seu estado natural, devendo ser aprimorado por via tecnológica para aquisição de capacidades físicas e/ou cognitivas superiores. A meta é a fusão entre o ser pós-humano e a máquina, a transcendência do humanismo e a criação de uma nova humanidade.

Não surpreenderá que o aprimoramento humano requerido para alcance do estágio pós-humano, transformando a condição humana, suscite inúmeras questões.

Por exemplo, (i) mesclar o ser humano com a máquina poderá, desde logo, modificar a percepção do «eu», bem como o conceito de «humanidade», (ii) o acesso a técnicas e procedimentos tecnológicos que aperfeiçoam o indivíduo se for limitado a certas classes sociais poderá acentuar discrepâncias socioeconômicas, (iii) a possibilidade de as ICMs terem acesso a informações sensíveis que residem no cérebro humano poderá gerar riscos no que toca à salvaguarda dessas informações e à preservação da liberdade cognitiva, da privacidade mental, da integridade mental e de outros direitos e (iv) não podemos esquecer os riscos inerentes ao uso potencial de ICMs para fins militares, de vigilância e de defesa.

Ou seja, embora Elon Musk advogue o transumanismo como método para, entre outras coisas, garantir a sobrevivência humana perante os inevitáveis avanços da Inteligência Artificial (All Tech Magazine), paradoxalmente a solução que avança põe em causa a permanência da essência humana.

Neste quadro, entidades como a Neurorights Foundation defendem o desenvolvimento ético da neurotecnologia, elencando um conjunto de direitos cuja preservação consideram necessária, como, por exemplo, o direito à liberdade de pensamento, ao livre-arbítrio e à privacidade de foro mental.

Os chamados «neurodireitos» surgem como imperativo claro, sendo definidos como «os princípios éticos, legais, sociais ou naturais de liberdade ou titularidade relacionados com o domínio cerebral e mental de uma pessoa; isto é, regras normativas fundamentais para a proteçcão e preservação do cérebro e da mente humana» (M. Ienca, On Neurorights).

Navegar esta deeptech requer grande cautela. Há que resguardar o equilíbrio entre as possibilidades técnicas e as múltiplas questões filosóficas, éticas e normativas emergentes, evitando «que a humanidade caia naquilo que os antigos gregos chamavam de hybris, a arrogância e o descomedimento, fixando limites para o homem prometeico» (L. Ferry, A revolução transumanista). Resta ao Direito caminhar a nível nacional, regional e global neste sentido.


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