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Sobre o Levantamento das Patentes: 4 Pontos e Conclusões

Patricia Akester • mai. 10, 2021
SOBRE O LEVANTAMENTO DAS PATENTES: 4 PONTOS E CONCLUSÕES

A RAÍZ DA QUESTÃO: Na raiz dessa questão subsiste um conflito entre a saúde pública e os Direito de Propriedade Intelectual (DPI). A verdade é que a vacinação contra a Covid-19 se traduz no exercício de um direito fundamental, atento o facto de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece, entre outros direitos, o direito à saúde como corolário do direito à vida. Por sua vez, os Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) conferem direitos exclusivos de utilização, de produção e de comercialização, funcionando como mecanismos de incentivo/recompensa do elevado investimento requerido para a investigação e para o desenvolvimento de processos e de produtos farmacêuticos. Tais monopólios, que em circunstâncias normais fazem todo o sentido, estão a criar graves obstáculos na luta contra a Covid-19 em países em desenvolvimento.

SIDA GEROU PROBLEMA SEMELHANTE, MAS NÃO IGUAL: Note-se que não é a primeira vez que surge um conflito entre a protecção da propriedade intelectual e o acesso a medicamentos. Há cerca de 2 décadas viveu-se dilema semelhante no que toca ao acesso aos medicamentos contra a SIDA, dilema esse que culminou, em 2001, na aprovação por unanimidade de todos os Estados Membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) da Declaração de Doha - a qual permite a adopção de certas medidas para garantir o acesso a tais medicamentos (por exemplo, licenças compulsórias em sede de epidemia). Actualmente a questão incide sobre a Covid-19, tendo a Índia e a África do Sul proposto, no âmbito da OMC, medidas temporárias que vão para além das flexibilidades contidas na Declaração de Doha - considerando as especificidades impostas pelos testes e tratamentos antivírus. 

LEVANTAMENTO DAS PATENTES NÃO CHEGA: As licenças compulsórias afiguram-se à primeira vistas ideais requerendo contudo (i) vontade política por parte de alguns países em desenvolvimento no sentido de implementação das flexibilidades contidas no Acordo TRIPS na legislação nacional; (ii) o ritmo do processo em causa não se coaduna com a natureza da emergência (por exemplo, o Ruanda só ao fim de mais de 4 anos conseguiu ter acesso a um medicamento genérico contra a SIDA); (iii) o titular da patente tem de ser adequadamente remunerado de acordo com o valor económico da autorização, deixando o Acordo TRIPS por saber a que monta essa remuneração; (iv) o fabrico é executado em quantidades predefinidas na licença compulsória, podendo não suprir necessidades não contempladas na mesma; (v) não pode ser ignorada a possibilidade de se alienar a Indústria farmacêutica (por exemplo, de acordo com a Reuters, a Tailândia procedeu ao licenciamento compulsório para produção ou importação da versão genérica do medicamento Kaletra, contra a SIDA, e os Laboratórios Abbott anunciaram, nessa sequência, que não iriam vender novos fármacos nesse país); (vi) last but least, a obtenção de uma licença compulsória para fabrico das vacinas mRNA de pouco serve, uma vez que a sua produção exige uma transferência de know-how. A OMS bem criou o chamado COVID-19 Technology Access Pool (C-TAP), para partilha de know-how, o qual se encontra absolutamente desguarnecido.

A RECUPERAÇÃO DO INVESTIMENTO FEITO PELA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: Por via de regra, a investigação e o desenvolvimento (I&D) de processos e de produtos farmacêuticos postulam investimentos vultuosos, morosos e repletos de riscos. Todavia, desta feita houve lugar não apenas a um investimento da indústria farmacêutica, mas também de Governos e de entidades sem fins lucrativos, distribuídos, conforme dados da Airfinity, como segue: GBP 8,19 biliões para I&D da AstraZeneca; GBP 2,25 biliões para I&D da Pfizer-BioNTech; GBP 1,9 biliões para I&D da Moderna; GBP 1,79 biliões para I&D da Novavax; GBP 1,62 biliões para I&D da SinoVac; GBP 1,25 biliões para I&D da CureVac; GBP 786 milhões para I&D da Johnson & Johnson; GBP 572 milhões para I&D da Sanofi/GSK; e GBP 300 milhões para I&D da Sanofi Translate Bio.

CONCLUSÕES: A solução mais eficaz é controversa, pois invoca valores diversos: por um lado, o interesse público no acesso aos medicamentos, baseado no direito à saúde e, por outro lado, a defesa de interesses privados através da protecção dos Direitos da Propriedade Intelectual (DPI). Polémica à parte, tendo em vista os riscos e os danos causados pelo vírus, justifica-se o ajuste casuístico do modelo de protecção dos DPI em nome do bem maior e o bem maior é, indiscutivelmente, o direito à saúde, que decorre por sua vez do direito à vida. A tutela dos DPI é merecida e deve, em circunstâncias normais, ser plena. No entanto, no âmbito de uma crise global, há que rever e adaptar.
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