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A conspiração das teorias

Patricia Akester • ago. 16, 2021
Partilho artigo hoje publicado no Diário de Notícias, página 11, em co-autoria com Filipe Froes, intitulado “A conspiração das teorias”. Foi escrito com base na premissa de que deve prevalecer, sempre, o melhor conhecimento científico disponível e não a rejeição da ciência. E em boa altura foi escrito. Por um lado, no dia 12 de Agosto foi celebrado o Dia Internacional da Juventude e em simultâneo a DGS recomendou a vacinação dos jovens dos 12 aos 15 anos, abundando teorias que tal rejeitam, esquecendo a necessidade de proteger os jovens (que em breve regressarão aos estabelecimentos de ensino) e quem os rodeia; e por outro lado, para nossa grande perplexidade, o Vice-Almirante Gouveia e Melo, que não merece senão ser devidamente condecorado depois do seu feito (a laudable triumph of great difficulty) foi alvo de insultos em nome da negação da ciência. Boa altura, pois, reitero, para entender (i) o que tem levado o público a sucumbir a teorias conspiratórias, (ii) qual o modus operandi dos conspiradores e (iii) como proteger o público dos conspiradores. 

“Há ciência e há opinião. A primeira gera conhecimento e a segunda ignorância” (Hipócrates)

No século XIV, aquando da peste bubónica as teorias conspiratórias apontaram o povo judeu como a fonte da praga, quando Edward Jenner, considerado por muitos como o Pai das Vacinas, inventou em 1796, a vacina contra a varíola, alegaram que quem fosse vacinado teria chifres e em 1918 imputaram culpas à Bayer, empresa farmacêutica alemã, que supostamente teria inserido na sua aspirina o vírus da gripe espanhola (Vox, History). 
Passando aos dias de hoje há quem afirme, com vigor, que a COVID-19 é uma farsa, que o vírus foi criado artificialmente e propagado como arma biológica, que os líderes mundiais pretendem injectar um microchip através da inoculação e assim monitorizar a população, que a testagem conduz à infecção, que as máscaras são inúteis, activam o vírus, causam pneumonia ou privação de oxigénio, que a medição da temperatura para acesso a espaços fechados danifica a glândula pineal etc. (The International Journal of Clinical Practice). Um ano e meio depois da declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde nenhuma destas teorias conspiratórias se confirmaram. Nem desta pandemia, nem das anteriores, nem certamente das próximas. Para a ciência não é quem grita mais alto ou tem mais likes nas redes sociais que determina o que está certo ou o que se deve fazer. 
Para o público, contudo, um dos efeitos da pandemia consiste na mais fácil aceitação de teorias que rejeitam o conhecimento científico (WebMD), aceitação essa que por sua vez eleva o grau de incumprimento de medidas de saúde pública destinadas a diminuir cadeias de contágio - como o distanciamento social e o uso de máscara (Psychological Medicine). Razão tinha Stephen Hawking quando dizia que o grande inimigo do conhecimento é a ilusão de o ter. Lembremos aqui, a título de exemplo, os actos de vandalismo que têm emergido na sequência de teorias conspiratórias relativas à COVID-19 (actos esses executados por quem pensa bem conhecer os meandros científicos da pandemia) como o incêndio de dezenas de antenas para telemóveis com fundamento na teoria de que a tecnologia 5G causa ou acelera a sua propagação (AP News). 
Perante este cenário 3 questões requerem resposta: O que tem levado o público a sucumbir a teorias conspiratórias? Qual o modus operandi dos conspiradores? Como proteger o público dos conspiradores?

O que tem levado o público a sucumbir a teorias conspiratórias?
Sucede que o público cansado, abatido, esgotado, farto, enervado e desgastado que anda, carece de elucidação e esclarecimentos relativos à pandemia que transmitam uma percepção de controlo e não de caos. O público “deseja acreditar que há quem saiba o que está a fazer” (Damon Knight), sendo, todavia, confrontado com a ausência de consenso científico ora sobre a origem do vírus, ora sobre a sua propagação ora sobre a sua contenção ora sobre vacinas e processo de inoculação. A ciência por trás da pandemia está a ser criada em tempo real. Trata-se de um alvo em movimento guiado por constante investigação e saber dinâmico, gerando incerteza que é agravada pela exposição a orientações governamentais contraditórias (por exemplo, hoje deve-se ir comer fora para ajudar os restaurantes locais e amanhã deve-se ficar em casa em confinamento). As teorias conspiratórias florescem neste ambiente de indefinição, visto que fornecem, sem exactidão, rigor ou fidedignidade, mas sem qualquer hesitação, explicações aparentemente simples para fenómenos complexos; descomplicando causalidade sob a forma de desinformação que se dissemina online tão rapidamente quanto o vírus se propaga offline. 

Qual o modus operandi dos conspiradores?
Quanto aos conspiradores, estes aproveitam, por um lado, a natural vulnerabilidade que o público exibe neste difícil quadro pandémico que parece não ter fim e por outro lado recorrem eficientemente a certos argumentos para dotar de aparente legitimidade a rejeição de teses alicerçadas na ciência. Em regra, os masterminds das conspirações empregam a seguinte receita para rejeitar o conhecimento científico e alimentar teorias conspiratórias: (i) criam uma teoria conspiratória que não passa de desinformação (exemplo: a vacina impede a gravidez); (ii) promovem a teoria em causa por meio de pseudo especialistas (que por vezes envergam bata branca ainda que não sejam profissionais de saúde); (iii) chamam a atenção para artigos isolados (frequentemente de publicação paga e sem revisão científica por especialistas na área) que contestam o consenso científico dominante; (iv) exploram a ambiguidade inerente à ciência para minar a credibilidade do argumento científico; e (v) deturpam a verdade para facilitar a defesa de falácias. A mensagem articulada que é com base nos ingredientes apontados convence um público que, como dissemos acima, tem necessidade de acreditar que existem verdades científicas inabaláveis, dogmáticas e imutáveis, no meio do pandemónio causado pela pandemia, 

Como proteger o público dos conspiradores?
Para proteger o público dos conspiradores resta desmascarar a retórica anticientífica de modo tão ou mais convincente que os conspiradores. Para esse efeito aconselhamos o uso das ferramentas aristotélicas comumente usadas no mundo jurídico, para defender ou acusar, persuadir ou dissuadir: ethos, logos e pathos. Por outras palavras, o orador deve ser credível e merecer a confiança do público, os argumentos apresentados devem ser lógicos e a persuasão surge por via emocional (Aristóteles, Retórica). Note-se que o elemento empático (a afinidade e a sintonia entre o mensageiro e o público) tem importância crescente. Está bem presente nas teorias conspiratórias (assim como nas fake news, nos discursos populistas, etc.) que buscam a persuasão em função da emoção e não por via de argumentos lógicos, sendo a ausência de coerência, de fundamento e de racionalidade compensada pela identificação que o público forma com o portador da mensagem. 
Consequentemente, em nome da defesa da saúde pública há que garantir que quem transmite directrizes, explicações, instruções e regras, assentes na ciência, relativas à pandemia: inspira confiança, é respeitado, apresenta os seus argumentos de forma lógica, sucinta, clara e inteligível, com recurso a linguagem que invoca princípios e valores que fazem sentido para o público e cria uma relação de empatia transparente e genuína com o público. Só assim prevalecerá o melhor conhecimento científico disponível.

Conclusões
As teorias conspiratórias têm florescido atentos os inevitáveis sentimentos de medo, vulnerabilidade e insegurança que caracterizam os tempos pandémicos que hoje vivemos, impactando negativamente o cumprimento de comportamentos preventivos e de inoculação. Urge actuar, lembrando que o perigo não reside na acção e sim na omissão (“o mundo não é um lugar perigoso por causa daqueles que fazem o mal e sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer” disse Albert Einstein). A utilização de ferramentas retóricas no combate às terias conspiratórias consiste num passo crucial para que o bem-estar decorrente da ciência vença o mal que advém da ignorância - restaurando a confiança no conhecimento científico, ajudando a criar imunidade de grupo contra a rejeição da ciência e agilizando a erradicação da pandemia. Dia 12 de Agosto celebrou-se o Dia Internacional da Juventude e em simultâneo a DGS recomendou a vacinação dos jovens dos 12 aos 15 anos. É boa altura, pensamos, para virar a mesa. Para bem de todos!

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