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Inteligência Artificial versus Máquina Viral: o bom, o mau, o vilão e a lição

Patricia Akester • jul. 01, 2021
Partilho a minha coluna mensal no Dinheiro Vivo. Título de Jullho: Inteligência Artificial versus Máquina Viral: o bom, o mau, o vilão e a lição

A pandemia é um adversário astuto e incansável; um planeador hábil, que executa a sua tarefa de forma precisa, minuciosa e certeira (parafraseando Albert Camus, La Plague, 1947). O vírus que hoje nos persegue é um sistema adaptativo complexo (SAC) que produz efeitos previsíveis e imprevisíveis, em virtude da sua capacidade de interacção e adaptação a ambientes diversos (British Medical Journal). Tem um objectivo, reproduzir em célula hospedeira, objectivo esse que executa qual exterminador implacável. E uma vez que actua qual autómato há que utilizar a máquina, isto é, a Inteligência Artificial (IA) para combater a máquina viral. 

O bom
Como tal, a IA foi desde logo utilizada, com sucesso, para identificação, monitorização e previsão da evolução do vírus, para determinação da sua estrutura (assim acelerando o processo de criação da vacina anti Covid-19) e para testagem e rastreio. Crucialmente, o desenvolvimento da vacina foi abreviado pelo uso de sistemas de IA que aceleraram o processamento de vastas quantidades de informação, a execução de cálculos e de previsões e a modelação de soluções. E a disponibilização das vacinas mRNA e o reconhecimento de que teriam uma eficácia de cerca de 95% geraram esperança; esperança de que o vírus pudesse ser largamente contido - à semelhança do que havia sucedido com o sarampo, por exemplo. 

O mau
Contudo, a ilusão foi de curta duração dada a emergência de variantes do SARS-CoV-2 consideradas “de preocupação” pela OMS (nomeadamente, Alpha, Beta, Gamma e Delta), que parecem resistir com maior intensidade às vacinas adoptadas, permitir reinfecção e causar não apenas sintomas leves e sim graves (ou mesmo morte). A verdade é que os dados anunciados quanto à eficácia da vacina sinalizaram a vulnerabilidade do vírus à imunização, lançando, consequentemente, a semente de uma vitória para a humanidade; todavia as ditas variantes surgiram qual revés, (i) exigindo a constante monitorização do impacto das mutações na vacina e a criação de soluções vacinais que combatam eficientemente as “variantes de preocupação”, (ii) não permitindo que as entidades de saúde abandonem as medidas de prevenção (como o uso de máscara) e (iii) obrigando a aceitar a possibilidade de que o SARS-CoV-2 permaneça qual vírus endémico durante tempo indeterminado – isto é, sob a forma de uma presença constante e/ou prevalência habitual. 

O vilão
O uso da IA contra uma máquina viral que se tem revelado resistente, adaptável e impiedosa é indispensável, acarretando, no entanto, efeitos secundários desfavoráveis que não podem ser ignorados, nomeadamente no campo da privacidade e da protecção de dados. Lembremos aqui a invenção de contact tracing apps que permitem, entre outras coisas, precisar a sucessão de contactos entre cidadãos bem como a sua localização, como a Alipay Health Code e a TraceTogether famosamente implementadas respectivamente na China e em Singapura. 
Ora esses efeitos não têm sido devidamente escrutinados porque “em tempo de guerra não se limpam armas”, reinando a ideia de que só haverá disponibilidade para fazer uma meticulosa análise do tema finda a crise – o que seria sofrível se da emergência da vacina decorresse a erradicação da pandemia com a rapidez desejada. Porém, indo a máquina viral permanecer por tempo indeterminado, há que lembrar que muitas das medidas de combate à pandemia que têm emergido pelo mundo fora, incluindo soluções tecnológicas, se encontram alicerçadas na concessão de poderes extraordinários a quem de direito, em sede de estado de emergência, medidas essas que precisam, consequentemente, de ser temporárias, necessárias e proporcionais ao objectivo a alcançar e carecendo a sua implementação de cuidadosa supervisão. 

A lição
A Covid-19 declarou guerra ao mundo e houve quem entendesse, e bem, que o combate ao vírus requeria armadura (estratégia ordenada, metódica e disciplinada de saúde pública) e armas (como a IA). Mas no âmbito de uma guerra contra a máquina viral que se vai prolongar, é imperativo que quaisquer soluções que infringem direitos e liberdades fundamentais não sejam banalizadas a pretexto de melhor proteger a população - sob pena de se perder a confiança do público em geral e de haver menos propensão para seguir conselhos ou recomendações de saúde pública e porque assim exigem os princípios basilares do Estado de Direito democrático pois:

“não há mais cruel tirania do que aquela que é exercida à sombra das leis e com as cores da justiça” (Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu).

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