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MADE BY IA & DIREITO DE AUTOR (a propósito do Websummit)

Patricia Akester • out. 31, 2022

Há não muito tempo uma pintura gerada inteiramente por um sistema de Inteligência Artificial (IA) foi vendida através da famosa Christie’s pelo montante de 432500 USD. A tela em questão, intitulada Edmond de Belamy, foi executada por meio de algoritmos denominados «Generative Adversarial Networks» (que também geram música e texto) com base em 15.000 obras de arte do século XIV ao século XX previamente inseridas no sistema de IA. Com base nesses dados, o referido sistema gerou onze imagens, entre as quais a que foi vendida pela Christie’s.


Questões emergentes: A criação efectuada por um sistema de IA tem direito a protecção? Podemos qualificar um sistema de IA como autor? E a quem pertencem os direitos e proventos decorrentes?


Na Europa Continental que assenta o direito de autor na figura romântica do autor presume-se que  não sendo a criação humana, mas ex machina, não haverá protecção, nem autor, nem direitos, nem proventos. Já em países do Commonwealth que têm por base uma visão utilitária do direito de autor a reacção dos tribunais pode ser bem diferente.


No Reino Unido, por exemplo, a lei determina que quem executa os preparativos necessários para a criação de uma obra através de um computador (computer generated work) tem direito a tutela, a direitos e, consequentemente, aos benefícios económicos daí advenientes.


Todavia, nos Estados Unidos um sistema de IA não pode ser visto como autor nem deter direitos. Lembremos, aqui, a saga de Naruto, o curioso macaco que tirou uma selfie com a máquina fotográfica de um cidadão inglês na Indonésia. O tribunal norte-americano a quem coube decidir o pleito emergente decidiu pela ausência de protecção, autor ou direitos. Porquê? Porque a fotografia não havia sido tirada por um ser humano. Esta posição foi recentemente reiterada nos EUA  pelo respectivo Gabinete de Direito de Autor no que toca a obras criadas por um sistema de IA denominado  «Creativity Machine», que afirmou  sem ambiguidade: «to qualify as a work of authorship a work must be created by a human being».


E na China, um Tribunal de Pequim chegou a conclusão similar. Teve o tribunal de apurar se um relatório parcialmente gerado por IA merecia protecção, tendo determinado que a lei chinesa não tutela a produção gerada por um sistema de IA (mas apenas a criação humana), que o agente/sistema inteligente não é criador intelectual/autor (mas somente máquina) e que o programador dos mecanismos ou software subjacentes ao sistema de IA também não pode ser considerado como autor da criação de um sistema de IA (porque criou o software e não tal produção).


Esta e outras questões exigem resposta clara, um clima de certeza jurídica: quem investe em IA tem direito a tutela jurídica e económica sob pena de ver anulada a vontade de executar esse investimento.


Como tal, na União Europeia, a Comissão sugeriu a criação de um novo direito em dados gerados por máquinas, direito esse a ser atribuído ao produtor de dados e conferindo um exclusivo na utilização desses dados, incluindo o direito de licenciar o seu uso e de impedir a sua utilização, sem autorização, por terceiros. Pretende a Comissão que a concessão dessa protecção funcione como um incentivo económico a montante ou a jusante da produção de dados. O contra-argumento reside no facto de que sob o ponto de vista do interesse público o estabelecimento de monopólios relativos a dados pode bloquear o acesso ou a utilização desses dados em detrimento da inovação.


Melhor solução poderá assentar na tutela através do direito de autor desde que esteja presente uma componente humana no processo criativo.


A protecção via direito de autor garantirá a emergência das vantagens patrimoniais resultantes da exploração da obra, ou seja, assegurará direitos e proventos no contexto «Made by IA». E uma vez que a outorga do direito de autor é sempre acompanhada de certas restrições ao direito de explorar a obra, com vista a facilitar o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, não se travará o progresso.


É mesmo verdade: o direito de autor concede direitos e proventos mas simultaneamente (i) salvaguarda os direitos do indivíduo (autorizando, por exemplo, a reprodução para uso privado e não comercial), (ii) tutela interesses de cariz comercial (permitindo, por exemplo, a descompilação de programas de computador para efeitos de interoperabilidade) e (iii) promove a disseminação da informação e do conhecimento para o bem comum (consentindo, por exemplo, que certas entidades, como bibliotecas, arquivos, museus e estabelecimentos de ensino executem certos actos).


Tutelar «Made by IA» através do direito de autor desde que esteja presente uma componente humana no processo criativo, garantirá direitos e lucros quando a produção se deva em parte à IA sem travar a inovação e o progresso. Difícil é decidir qual o nível de envolvimento humano requerido para a concessão de um privilégio em sede de direito de autor. Penoso é, por ora, navegar, sem hesitação jusautoral, o novo mundo da IA.


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