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No need to fear, the directive is here

Patricia Akester • abr. 22, 2019

Partilho um artigo de opinião que escrevi para a Revista Pontos de Vista a propósito do dia mundial da Propriedade Intelectual. Examino a reforma europeia do Direito de Autor na sua intersecção com o digital, que se tornou compulsória, para os Estados Membros, em virtude da recente aprovação, pelo Parlamento Europeu, da Directiva Mercado Único Digital, tecendo a esse propósito, breves considerações a quatro níveis: (i) político, (ii) técnico, (iii) prático e (iv) nacional.


A propósito do dia internacional da propriedade intelectual, faz sentido invocar e examinar a reforma europeia do Direito de Autor na sua intersecção com o digital, reforma essa que se tornou compulsória, para os Estados Membros, em virtude da recente aprovação, pelo Parlamento Europeu, da Directiva Mercado Único Digital.


Tecerei, a esse propósito, breves considerações a quatro níveis: (i) político, (ii) técnico, (iii) prático e (iv) nacional.


(i) A nível político a Directiva gerou enorme controvérsia e falsas questões. A verdadeira questão é que o tratamento que a Directiva dá ao direito de autor na Internet desafia o status quo existente, retirando poder às grandes plataformas da Internet (norte americanas) em benefício de entidades europeias do mundo cultural e editorial. 


Não foi por acaso que as grandes plataformas da Internet criticaram fortemente a Directiva. Os artigos 11º e 13º (15º e 17º de acordo com a nova numeração) foram os mais contestados: curiosamente os artigos que alteram o equilíbrio de poder entre tais plataformas e a indústria cultural e editorial europeia. 


O Pirate Party liderou uma campanha europeia contra a Directiva, sendo que a protagonista de tal campanha, Julia Reda, actuou com base numa ideologia que propugna a erradicação do direito de autor em nome de reivindicações de ordem pública. Na prática, talvez inconscientemente, a campanha em causa serviu, ou tentou servir, os interesses das referidas plataformas.


(ii) A nível técnico, tentando respeitar o imprescindível equilíbrio entre os interesses do criador e os da sociedade no que concerne à produção e ao uso das obras do espírito, a Directiva estabelece medidas que beneficiam os utilizadores (artigos 3º, 4º, 5º e 6º, entre outros, de acordo com a nova numeração) bem como medidas que beneficiam os autores e titulares de direitos (os famosos artigos 11º e 13º, 15º e 17º de acordo com a nova numeração).


Em benefício dos utilizadores, a Directiva identifica três domínios de intervenção para criação de novas excepções: a prospecção de textos e dados no domínio da investigação científica, as utilizações digitais e transnacionais no domínio da educação e a conservação do património cultural. 


Em benefício dos autores e titulares de direitos, a Directiva propõe regras no que toca à utilização digital das publicações de imprensa (press right) e à utilização de conteúdos protegidos pelas grandes plataformas da Internet (value gap). 


(iii) A nível prático, as grandes plataformas acabarão por conceder alguns dos proventos obtidos a quem cria cultura (e que, em regra, não obtém ordenado mas apenas royalties), os investigadores, os professores, os alunos e as instituições responsáveis pelo património cultural passarão a ter a possibilidade de executar certos actos em nome do interesse público no acesso à informação, à cultura e ao conhecimento e os utilizadores poderão praticar de forma legítima certos actos que até agora praticavam de forma ilícita. 


Note-se, por exemplo, que a paródia, que torna lícitos os famosos memes, não é permitida à luz do direito de autor português mas passará a sê-lo em função da implementação da Directiva, o que significa que os memes passarão, em Portugal, de ilícitos a lícitos. 


Mas recorramos ao artigo 13º (artigo 17º de acordo com a nova numeração), que incide, como sabemos, sobre a utilização de conteúdos protegidos pelas grandes plataformas, para ilustrar de forma mais detalhada, tomando como exemplo a polémica norma, as consequências práticas da Directiva.


Por um lado, o preceito, que na sua versão inicial defendia a Cultura Europeia de forma incisiva, foi diluído à medida que as negociações foram avançando e, por outro lado, é acompanhado de um Recital, o Recital (64) que pode ser interpretada, se a leitura não for atenta, no sentido de que a lei comunitária não é, neste campo, alterada mas somente esclarecida.


Uma leitura cuidada do artigo em causa permite concluir que as plataformas efectivamente abrangidas pelo artigo 13º:

• Devem, antes de mais, tentar obter autorização para o uso de conteúdos nos seus sistemas;

• Se não conseguirem obter autorização apesar dos seus best efforts devem tentar evitar actos ilícitos nos seus sistemas, mas só têm de recorrer a medidas tecnológicas (a) se tiverem à sua disposição medidas adequadas e eficazes, (b) se tal não for demasiadamente oneroso em termos financeiros e (c) se forem devidamente avisadas pelos titulares de direitos de autor; 

• Se apesar dos seus best efforts surgirem conteúdos ilícitos nos seus sistemas, devem as ditas plataforma remover ou impedir o acesso a esses conteúdos, desde que devidamente avisadas pelos titulares de direitos de autor. Ou seja, a ausência de notificação elimina qualquer responsabilidade por parte das grandes plataformas.


Quanto aos utilizadores:

• Desde que as plataformas tenham obtido autorização, os utilizadores podem usar conteúdos (a) para fins privados ou (b) até para fins comerciais desde que apenas obtenham proventos insignificantes;

• Mesmo que as plataformas não tenham obtido autorização, os utilizadores podem fazer upload de conteúdos livremente desde que para citação, crítica, caricatura ou paródia, isto é, podem partilhar livremente memes e gifs;

• As medidas tecnológicas para evitar usos ilícitos não devem impedir usos legítimos pelos utilizadores;

• Está prevista, à cautela, a criação obrigatória, pelas grandes plataformas, de mecanismos de reclamação e de recurso. 


(iv) A complexidade surgirá, penso, a nível de implementação doméstica uma vez que a Directiva deixa múltiplos conceitos em aberto. 


Por exemplo:

• Que prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são abrangidos pelo artigo 13º (artigo 17º de acordo com a nova numeração)?

• A que montam os best efforts das grandes plataformas no sentido de obterem autorização para uso de conteúdos protegidos pelo direito de autor?

• Em sede de medidas tecnológicas para evitar actos ilícitos nos sistemas das grandes plataformas, em que consistem medidas adequadas e eficazes?

• Em sede de medidas tecnológicas para evitar actos ilícitos nos sistemas das grandes plataformas, quando é que o processo é demasiadamente oneroso em termos financeiros para as grandes plataformas?

• No que respeita aos professores e alunos, em que circunstâncias específicas estão facilmente disponíveis no mercado acordos de licenciamento adequados às necessidades e especificidades dos estabelecimentos de ensino?

• No que toca a partilhas executadas online pelos utilizadores, em que consistem proventos insignificantes?

• No atinente à possibilidade de os utilizadores executarem hiperligações a notícias, em que consistem excertos curtos?


Conclui-se que nada há a temer, excepto alguma complexidade na transposição da Directiva para o território nacional. 


O difícil processo de negociação, a intensa polémica e os constantes anúncios da iminente morte da Internet levaram à introdução, no texto aprovado pelo Parlamento Europeu, de soluções de compromisso sob a forma de múltiplos conceitos vagos que agora carecem de estudo e de preenchimento a nível nacional. 


As consequências desta reforma legislativa ficarão, assim, em grande medida, dependentes das opções tomadas pelo legislador nacional aquando da implementação da Directiva, sendo que após publicação no Jornal Oficial da EU a mesma terá de ser transposta no prazo de dois anos. 


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