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O sistema judicial português: Top Guns e problemas sistémicos

Patricia Akester • jul. 02, 2022

Partilho a minha coluna de Julho, no Dinheiro Vivo, Diário de Notícias, intitulada "O sistema judicial português: Top Guns e problemas sistémicos" na qual falo da minha experiência profissional e pessoal no campo judicial e dos problemas sistémicos  que clamam por reforma.


“A base da sociedade é a Justiça” (Aristóteles)

 

Não sei bem o que diga sobre o sistema judicial português atento o facto de que a minha experiência pessoal varia entre o 8 e o 80.

A nível profissional não tenho, até à data, senão bem a dizer. A título de exemplo, recentemente a pedido de uma entidade de gestão colectiva redigi um Parecer sobre Direito de Autor (processo nº 3349/08.0TBOER.L2.S1) que foi entregue ao  nosso Supremo Tribunal em Fevereiro deste ano, tendo a decisão sido proferida em Maio - isto é, com grande celeridade. Mais, a decisão da 7ª Secção Cível do Supremo contém 121 páginas que examinam aturadamente os temas em causa e revelam mestria. Por último, o aresto garante a protecção do direito de autor como direito humano que é (em conformidade com o artigo 42 da Constituição da República Portuguesa), substanciando uma vitória para o Direito de Autor e para a produção cultural que este tem por missão defender. Dada a necessidade premente de defender a Cultura, nos moldes ditados pelos parâmetros legislativos nacionais, regionais e internacionais vigentes, bem andaram os ilustres Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

Já no âmbito familiar foi há pouco tempo proferida uma decisão, em sede de Direito de Família, que demonstra precisamente o contrário. Tratou-se de um acórdão do Tribunal da Relação que levou 9 meses a emergir e que tomou a forma de uma sentença de 22 páginas - das quais 19 consistem em “copy & paste” dos articulados dos mandatários de ambas as partes, reduzindo-se as considerações do douto Tribunal a 3 páginas. Decorre dessas 3 páginas a manutenção da iniquidade da decisão tomada em primeira instância (que levou precisamente à interposição de recurso), essencialmente porque certos documentos oficiais, probatórios, foram magistralmente ignorados.

Problemas sistémicos

A verdade é que o sistema judicial português tem atraído críticas consideráveis ​​nos últimos anos e que o meu queixume é um entre muitos.

Já em 2014, a Transparency International concluiu que o sistema judicial português se encontrava “engarrafado” e que os inquéritos atinentes à economia, às finanças e a corrupção haviam gerado poucas acusações, muito menos sentenças de prisão.  Claro está que a ausência de independência entre o Governo e os Tribunais, que naturalmente afecta a separação de poderes e a independência dos Tribunais não contribui para o isento funcionamento do sistema judicial português (euroreporter).

Em 2015, Gabriela Knaul, relatora especial da ONU, afirmou que o sistema judicial português era essencialmente “lento, caro e difícil de compreender”.

Em 2017 a UE determinou que Portugal se encontrava entre os países da União com maior número de processos cíveis e comerciais pendentes, tendo apurado que os cidadãos tinham de aguardar entre 900 e 1100 dias até que fosse proferida sentença (Justice in the Union Scoreboard).

Em 2020 a Comissão Europeia apontou várias falhas no combate à corrupção em Portugal e no escrutínio do sistema de distribuição de processos judiciais nos Tribunais (Country Chapter on the rule of law situation in Portugal).

Também em 2020, o Conselho da Europa (European Judicial Systems CEPEJ Evaluation Report) denunciou as exorbitantes taxas de Justiça praticadas em Portugal (isto é, os montantes pagos para dar início a um processo judicial) assim como a morosa marcha da Justiça. Segundo esse Conselho, as custas judiciais são das mais elevados da União e 41,6% dos casos pendentes deambulam pelos Tribunais há mais de 2 anos. Ou seja, a Justiça é lenta e só se encontra acessível a quem pode pagar excessivas custas judicias ou a quem beneficia de apoio judiciário.

Reforma

Não é, pois, surpreendente que a Justiça portuguesa se encontre descredibilizada. Em finais de 2021, a Deco Proteste lançou um inquérito que revelou que a Justiça é a instituição em que os portugueses menos confiam.

Urge actuar e a UE há muito reitera a necessidade de reformar o sistema judicial português. Todavia, de acordo com um relatório de 2022, apenas 3 das 15 recomendações do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), órgão do Conselho da Europa, foram implementadas, tendo 7 recomendações sido parcialmente concretizadas e 5 ficado por executar.

Consequentemente o sistema judicial português continua a padecer de inúmeros males, sendo imperativo, entre outras coisas, reduzir as custas judiciais que impedem o acesso de muitos à Justiça e garantir a autonomia, isenção, imparcialidade e independência dos Tribunais e do Ministério Público – exigências básicas em sede de Estado de Direito Democrático.

Top Guns da Justiça

Até lá, como declara Maverick no filme Top Gun, “it is not the plane, but the pilot”. Isto é, apesar dos múltiplos desafios no seio de um sistema em ruptura temos magistrados que com louvável diligência salvaguardam a Justiça.

Deixo como exemplo os venerandos Conselheiros da 7ª Secção Cível do Supremo cuja decisão (que acima comecei por referir) substancia uma vitória para o Direito de Autor, para a Cultura, para a Informação e para o Conhecimento, exibindo o espírito de busca incessante pela Justiça que é fim supremo do Direito. Bem hajam.


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