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Que preparação deve ser exigida para o exercício de cargos políticos?

Patricia Akester • fev. 10, 2022

Partilho um artigo meu hoje publicado no Diário de Notícias, página 8, com chamada na capa, intitulado «Que preparação deve ser exigida para o exercício de cargos políticos


“Um político pensa nas próximas eleições; um estadista nas próximas gerações.” (Noel Clarasó Daudí)

 

Desde a Carris que afirma ser exigente nos critérios de recrutamento dos seus motoristas (acompanhando, desenvolvendo e fomentando a evolução das suas competências) até às Ordens Profissionais (dos médicos, dos advogados e outras) que garantem a certificação e qualificação técnico-científica dos seus profissionais, muitos são os cargos cujo exercício exige certos requisitos, preparação, exames e/ou qualificações. Pretende-se, em nome do bem comum, que o acesso a determinadas profissões dependa do preenchimento de requisitos mínimos para garantir a qualidade dos serviços e dos actos executados.

 

Se, na sequência dos exemplos acima dados, os motoristas da Carris, os médicos e os advogados (entre muitos outros) apenas têm acesso aos respectivos sectores de actividade mediante o cumprimento de determinados critérios de formação e de selecção, pergunta-se se não deve ser estabelecido um sistema equivalente (devidamente adaptado) no que toca, designadamente, aos membros da Assembleia da República e do Governo, considerando que tendo nas suas mãos, respectivamente poder legislativo e executivo, controlam os destinos do País.

 

Não será prudente implementar uma metodologia de validação e escrutínio, que tenha em conta não apenas uma componente académica, mas também moral/ética/deontológica, levada a cabo com rigor, independência, idoneidade, integridade e responsabilidade, para o exercício de cargos políticos?

 

Já no século IV AC, indica Platão que a resposta é inequivocamente sim, avançando um cenário passado num navio para ilustrar o ponto fulcral desta questão. Imaginemos, diz o célebre filósofo, que “marinheiros estão em disputa sobre o governo do navio, convencido cada qual de que tem direito a assumir o leme, sem jamais ter aprendido a arte de timoneiro nem poder indicar quem foi seu mestre ou a ocasião em que estudou; muito ao contrário, asseveram que isso não é matéria de estudo”. Faz sentido, pergunta Platão, que quem não tem os conhecimentos necessários (para o efeito) comande um navio ou governe uma cidade?

 

Extrapolando o seu pensamento para os dias de hoje: se médicos, advogados, pilotos, enfermeiros e professores, entre tantos outros, têm de deter conhecimentos especializados para desempenhar as tarefas que se propõem realizar, bem como ser regidos por valores precisos, também os titulares de cargos políticos devem possuir qualificações adequadas à concretização das suas funções.

 

Note-se que a possibilidade de fazer depender o acesso a cargos políticos de requisitos prévios não afecta o princípio da igualdade de oportunidades (propugnado, por exemplo, por John Ralws), desde que respeite duas premissas básicas: (i) que qualquer cidadão possa ter acesso ao cargo em questão e (ii) que seja garantida a oportunidade de aquisição gratuita (ou seja, independente da capacidade financeira do candidato) das competências necessárias à execução do cargo.

 

A verdade inescapável é que os titulares de cargos políticos afectam, através de deliberações, resoluções, acções e omissões, a vida de milhões de cidadãos, no campo da saúde, da educação, da economia, da cultura e tantas outras áreas. Como tal, a possibilidade de fazer depender o acesso a cargos políticos de requisitos prévios, nomeadamente de foro académico e deontológico, elimina potenciais graves lesões para os cidadãos decorrentes de decisões tomadas por quem não tem competências para as tomar. Enquanto assim não for, lá dizia o filósofo, “não terão fim os males das cidades”.

 

A atribuição de funções de foro político deve estar sujeita à travessia idónea de um processo de avaliação, processo esse que deve estar aberto a todos os cidadãos que cumpram, além das condições gerais de admissão na função pública, uma componente académica (sob a usual forma de uma licenciatura conferida por uma instituição portuguesa ou diploma legalmente equiparado) e uma componente moral/ética/deontológica.

 

A outorga do cargo deve depender, em suma, de uma metodologia de validação e escrutínio constante de um Regulamento de Ingresso e quem não passar o processo de selecção não deve, em nome do bem comum, valor supremo que é, exercer um cargo político que pode dilacerar a vida de milhões. Já Platão o sabia como verdade. Também nós o sabemos. 


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