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O primeiro-ministro exemplar: qualidades e equipa

Patricia Akester • fev. 24, 2022

Partilho um artigo meu que acabou de ser publicado no Diário de Notícias, página 10, intitulado «O primeiro-ministro exemplar: qualidades e equipa» que prossegue reflexão na sequência das eleições legislativas.


O conceito de notabilidade política é escorregadio, incerto e movediço. É consensualmente grandioso o líder que perante o risco, a ameaça e o tormento, defende a nação, a liberta da submissão, restaura a sua independência ou restabelece a paz. Nesses cenários, o dirigente revela coragem - a primeira virtude do estadista e sem a qual todas as outras virtudes desaparecem na hora do perigo (Winston Churchill).

 

Mais difícil é ficar para a história como figura admirada, exímia, respeitada e excepcional em tempos de paz. Os traços de personalidade que facilitam a vitória eleitoral podem não ser adequados ao cargo político para que se foi eleito, o depositário do poder político tende a ser impopular (Benjamin Disraeli) e, ao contrário do que sucede no campo de batalha, na política a morte pode emergir múltiplas vezes (Winston Churchill).

 

Regida que sou pela esperança e esperando, consequentemente, que não despolete uma terceira guerra mundial, pergunto quais as qualidades que um Primeiro-Ministro deve exibir na ausência de um conflito global - sobretudo quando reinam a apreensão, a ansiedade e a inquietação a nível socioeconómico.

 

Bom exemplo é o britânico Clement Attlee que foi Vice-Primeiro-Ministro sob a alçada de Churchill (no seio de um Governo de coligação estabelecido em tempo de guerra) e que subsequentemente exerceu as funções de Primeiro-Ministro entre 1945 e 1951. Attlee sabia que governar em tempos de paz exigia talentos diferentes dos requeridos para tomar decisões em plena guerra, designadamente (assim disse): tolerância, moderação, ausência de egocentrismo, sabedoria no processo de selecção dos membros da sua equipa e aptidão para ver a floresta e não apenas as árvores. O historiador Peter Henness, sem esquecer Attlee, vai mais longe, sugerindo um retrato compósito do Primeiro-Ministro ideal que abrange características de vários Primeiro-Ministros anteriores, nomeadamente: o sentido de dever de Peel, a energia de Gladstone, a inteligência de Asquith, a eloquência de Churchill, a logística de Attlee e a capacidade de gestão de Heath. Por sua vez, Sir Anthony Seldon, autor de dezenas de livros sobre história e política contemporâneas, acentua como uma das regras de ouro do grande Estadista, a escolha dos seus membros de Governo.

 

Os membros do Governo

O Primeiro-Ministro, explica o historiador, pode encontrar a sua voz, manter a sua dignidade e estabelecer prioridades de forma inatacável, mas se a sua equipa for fraca não irá longe. Crucial, diz Seldon, é congregar os melhores dos melhores, demitindo-os sem hesitação, sempre que desvirtuem o cargo que exercem. Já dizia Eça de Queiroz que, em geral, todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção e são excelentes convivas. Todavia, para que a política não seja de acaso, de compadrio, de expediente, fruto de vaidades, interesses, especulação, corrupção, privilégio e influência de camarilha (seguindo o raciocínio do grande autor português) o Chefe de Governo deve seleccionar uma equipa onde reinem o mérito, a ética, a austeridade, a concepção, o instinto político e a experiência que fazem o Estadista.

 

Reunida a equipa certa (sob a perspectiva do interesse público) sugere Fred Greenstein (autor de The Presidential Difference) que é ainda fundamental que o Primeiro-Ministro esteja aberto a uma variedade de pontos de vista, argumentos e conselhos. Aponta como exemplo, a criação do think-tank Central Policy Review Staff (CPRS) por Edward Heath, em 1970, que incluía funcionários públicos e outsiders e à qual foi dada a missão de “pensar o impensável” numa base não-partidária. Nota também que os dois principais conselheiros de Harold Wilson, entre 1974 e 1976, eram ambos ferozmente independentes e sempre prontos a expressar firme desacordo com Wilson.

 

Conclusões

Admito que o Primeiro-Ministro de sonho possui uma combinação improvável de talentos, tais como (recorrendo de novo ao exemplo da velha democracia britânica), a oratória de Churchill, Wilson ou Blair, a capacidade organizacional de Heath ou Attlee, a visão e a tenacidade de Thatcher, a capacidade intelectual de Wilson, a estabilidade emocional de Attlee e a criação de uma equipa com base em critérios de meritocracia.

 

Sei que a perfeição é inatingível, mas temo as imperfeições ou deficiências tidas como problemáticas e inquietantes. Há irregularidades, máculas e incorrecções que levam, mais tarde ou mais cedo, à queda do Chefe do Governo, à sua perda de poder, ao seu descrédito, à sua desonra, ao seu declínio e ao perecimento da sua carreira política, podendo ainda levar, nos dias que correm, ao prevalecimento do paradoxo dos líderes populistas (que prometem conferir poder à população acabando, no entanto, por incrementar o seu próprio poder), testando os limites da democracia.

 

Acredito, pois, que o Primeiro-Ministro exemplar (no que toca a qualidades próprias e às da sua equipa) é um conceito a que o Chefe de Governo deve almejar e pelo qual deve lutar, em nome e ao serviço da nação: pela nação e para a nação (Abraham Lincoln).


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