Blog Post

A Geração Z e o mercado de trabalho: desafios inesperados e ética singular

Patricia Akester • nov. 01, 2021

Partilho a minha coluna mensal no Dinheiro Vivo, Diário de Notícias. Título de Novembro: «A Geração Z e o mercado de trabalho: desafios inesperados e ética singular»


“A única constante é a mudança” (Heráclito)

 

As chamadas Gerações Y e Z têm sido moldadas por múltiplas adversidades à escala mundial (instabilidade política, crises financeiras, dívida pública, aquecimento global, etc.) antevendo-se que da pandemia advenha outra crise marcante, sobretudo para a Geração Z (Euromonitor).

Sob a perspectiva da Geração Y, também denominada do Milénio ou da Internet (nascida, segundo o Pew Research Centre, entre 1981 e 1996) esta será a segunda recessão que enfrenta, atenta a crise financeira de 2008. Potencialmente, a faixa etária mais jovem desta geração terá penetrado o mercado de trabalho (embora recentemente) e a mais avançada beneficiará de uma carreira consolidada antes da emergência da Covid-19.

Quanto à Geração Z que abarca os chamados nativos digitais (nascidos entre 1997 e 2012), os adolescentes que frequentam o ensino secundário porventura assistirão à recuperação da economia antes do acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho, já para os restantes membros deste grupo geracional a pandemia emergiu em momento crítico de conclusão de estudos académicos e integração no mercado de trabalho.

O contraste com o contexto pré-pandémico é imenso. Antes da Covid-19 parte da Geração Z prosseguia estudos superiores no âmbito de uma economia em expansão, deparando-se hoje com um mercado de trabalho que se configura mais inacessível que em 2008 e em que previsões sombrias incluem desemprego e precariedade (University of Massachusetts Dartmouth),

De tal forma que os pedidos de adesão ao polémico reality show intitulado Ilha do Amor andam a ultrapassar o número total de candidaturas às Universidades de Cambridge e de Oxford. A verdade é que nos tempos que correm a possibilidade de angariar milhares de libras no contexto desse programa televisivo surge, na mente de muitos jovens, como hipótese mais plausível que a prossecução de um percurso universitário e profissional em moldes tradicionais (Financial Times).

Todavia, ultrapassadas as dificuldades e uma vez inserida no mercado de trabalho a Geração Z trará consigo uma nova abordagem, alicerçada numa postura diversa da que orienta as gerações que a precedem (Mckinsey). A Geração Z é pragmática e ambiciosa (pouco não a serve, médio não a satisfaz e metades nunca foram o seu forte, parafraseando Clarice Lispector), tentando encontrar soluções que satisfaçam as suas necessidades financeiras e garantam, ainda, o seu enriquecimento pessoal.

Usa como ferramentas o diálogo, a ponderação, a conciliação, a compaixão e o activismo. Valoriza a autenticidade, a transparência, a integração, a individualidade e a diversidade. Não aceita estereótipos e rótulos, ignorando género, idade ou classe e apregoando “identidade fluida”. Pertence a múltiplos grupos, independentemente de ideologia, filosofia e modo de pensar - porque a conexão humana fala mais alto. Em virtude desta maneira de ser a Geração Z adoptará uma visão geral e uma postura ética diferentes no que toca ao mercado laboral.

Por exemplo, para a Geração Y uma oportunidade de trabalho numa empresa de alta tecnologia surge qual “golden ticket” tipificado por salário elevado e benefícios infindáveis, enquanto a Geração Z tem uma percepção pouco favorável desse sector de actividade, assente em preocupações de foro ético. O New York Times descreve este fenómeno como “Techlash”.  

Mais, a Geração Z espera que o local de trabalho reflicta os seus valores. De acordo com o Pew Research Centre, dos inquiridos pertencentes a tal geração: 90% valoriza interacção pessoal (não apenas virtual) no local de trabalho; 80% considera que a entidade patronal deve respeitar as opções do trabalhador em sede de linguagem (binária ou não binária, tradicional ou neutra); 69% prefere entidades patronais que privilegiem diversidade racial e étnica; 60% requer clareza sobre os parâmetros e as expectativas decorrentes das suas funções laborais; 60% carece de feedback frequente dos seus supervisores no atinente ao seu desempenho; e 58% está disposta a fazer horas extraordinárias (ainda que aos fins de semana) desde que esse esforço conduza a salário mais apelativo.

Confesso que como membro que sou da vetusta Geração X (nascida entre 1965 e 1980), alguns ideais da Geração Z, como a fluidez de identidade e o recurso a linguagem neutra, me escapam. Admiro, porém, a pronta disposição que essa geração tem para se colocar no lugar do outro, procurando entender e dialogar, com humanidade, tolerância, abertura, pureza e autenticidade.

Reconheço que a mudança é imperativa a muitos níveis e que somente uma legião de jovens sonhadores a pode executar. Uma vez chegada ao mercado de trabalho a Geração Z compreenderá trabalhadores dinâmicos que em função do seu modo de agir e de pensar actuarão como agentes de transformação, tentando fazer a diferença. A Geração Z tenciona mudar um planeta repleto de complexas questões económicas, sociais, políticas, ecológicas e de saúde - entre outras. Se o consegue não sei, tendo, no entanto, plena noção de que corajoso, notável e audaz é quem deveras se empenha em criar um mundo melhor para todos.

O problema reside no facto de que “nos deliciamos com a beleza da borboleta, mas raramente aceitamos as mudanças exigidas para alcançar tal encanto” (Maya Angelou). Resta, pois, aceitar, como ensina Heráclito, que “tudo flui num ciclo infinito de transformações” e aclamar a mudança em nome de um bem maior, ainda que colida em certos aspectos com a nossa zona de conforto.

 

#mercadodetrabalho

#geraçãoz

#digitalnatives

#desemprego

#antibigtech

#techlash

#etica

#mudança


Share by: