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Em nome da paz: procura-se com urgência um novo Gorbachev

Patricia Akester • set. 10, 2022

Partilho artigo hoje publicado no Diário de Notícias, página 25, intitulado «Em nome da paz: procura-se com urgência um novo Gorbachev».


“Teremos um futuro para todos ou futuro nenhum” (Gorbatchev, 2005)

 

A Rússia, a Europa e o mundo enfrentam um momento decisivo. Volvidos seis meses de guerra, a retórica ocidental encontra-se repleta de referências à necessidade de investir em armamento, equipamentos, munições, exército, hostes e forças militares. É natural. Acção gera reacção; comportamento gera comportamento. A linguagem da paz perde naturalmente peso num contexto em que Putin não se encontra, em boa verdade, aberto a um diálogo que não reconheça a sua regência absoluta e a submissão ucraniana e em que imperam a destruição e a retaliação bélica e não bélica. A União Europeia encontra, pois, lógica resposta no reforço de planos de defesa nacionais e na configuração de uma política palpável de defesa comum, mas cabe à Rússia, em bom rigor, descalçar a proverbial bota. Já o fez antes.

 

Após anos seguidos de profunda escuridão política, económica e social, foi reconhecido por quem de direito que o país requeria outro rumo, um destino regido por princípios democráticos, pela reverência pelos direitos humanos, no âmbito de um Estado de Direito. Muitos, como Vladimir Putin, não se afeiçoaram ao percurso encetado por Gorbatchev, invocando, ao invés, um conceito de patriotismo que reivindica a restauração da glória soviética. E a guerra em curso não é senão um exemplo de actuação que faria sentido na antiga União Soviética, ao visar o desmantelamento e a subjugação de uma nação mais fraca, ainda que com grandes riscos económicos e sociais, porque o que interessa é que os tentáculos imperais russos se alastrem, expandam, alarguem e irradiem.

 

Conhecemos essa narrativa, de guerras passadas, de animosidade ditada por divergências políticas, incompatibilidades ideológicas ou antagonismos religiosos. Não é desejável. Imperiosa é a defesa dos direitos e liberdades de indivíduos e nações através do diálogo e não do recurso a meios bélicos.

 

No clima geopolítico actual, talvez a lição mais valiosa a extrair do percurso político de Gorbachev é que certo tipo de líder pode mudar o rumo da história, mesmo quando tal parece impossível. Assim aconteceu sob a égide de Gorbachev, que declarou os direitos humanos como valores universais e não apenas ocidentais, acreditando genuinamente que através da glasnost e da perestroika reformaria uma economia disfuncional e falida e eliminaria a repressão brutal que caracterizava o sistema comunista.

 

As lições de ontem relevam hoje. Então, como agora, é necessária uma mudança no topo da pirâmide hierárquica russa: um novo líder, uma nova voz que dê corpo a valores, princípios e normas manifestamente basilares, humanos e universais, que substitua o paradigma político, que caminhe do totalitarismo para a democracia.

 

O presente surge como possibilidade de actuação e o futuro invoca algo por moldar em nome da paz. Paz fundamental, paz genuína, paz para todos, não apenas agora e sim para sempre, fruto do esforço de muitas nações, soma de muitos actos, no seio de um processo dinâmico e não estático, que se deve adaptar aos desafios de cada geração (parafraseando Gorbatchev que por sua vez citava JFK).

 

Fácil não é, mas a humanidade não “teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível” (Max Weber).

 

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